22 julho 2003

O que é que eu tenho contra os domingos?

À segunda-feira (aqui marca terça mas é segunda à noite, raio de mania que os relógios têm de não perceberem que só será terça depois de dormirmos), tenho mais claras as ideias sobre a idiotice dos domingos. E embora aquelas também não sejam propriamente uma alegria geral, sou obrigado a reconhecer que as prefiro, de longe, aos seus pálidos e tristes antecessores. OK, o facto de usualmente ter folgas durante a semana ameniza as minhas segundas-feiras. Mas tenho quase a certeza de que se tivesse um regime normal (e normalizante), com descansos invariáveis ao fim-de-semana, continuaria a odiar os domingos. Até porque uma das razões para tal indisposição contra o dia em que o outro senhor mandou o pessoal parar é precisamente o pormenor de serem vésperas de início de semana laboral. Esta razão é porventura a mais antiga e vem dos tempos da escola. Nessa altura havia, contudo, atenuantes e as principais delas eram os relatos de futebol ao domingo à tarde.
Há uns anos, os grandes clubes jogavam ao domingo e havia o suspense de se ir relacionando os resultados de uns com os dos outros. Era mais interessante poder festejar ao mesmo tempo, na bancada do estádio ou refastelado na cama, os golos da minha equipa e os dos adversários directos. A classificação ia mudando durante a tarde desportiva e até os jogos entre pequenotes desinteressantes tinham a sua magia. Sem jogos a sério em simultâneo é que é francamente difícil achar piada a um Mija na Escada-Unidos da Merdaleja, que é o que, com todo o respeito pelos menos grandes, nos oferecem as rádios nestes domingos que agora vivemos.
O passar dos anos trouxe-me outra dificuldade dominical: encontrar cafés para ler os jornais ao fim da manhã. A maioria dos cafés lá do bairro apresenta o rótulo de «fechado» na porta. Um deles, onde por vezes me sento, fecha pela uma da tarde - pouco depois da alvorada, portanto. Resta-me andar mais um bom par de metros, se a vontade chegar a esse ponto. Se não, junto este contratempo à birra endógena com que acordo ao domingo e volto a casa.
Neste ponto correm-se riscos inomináveis, como o de se terem acabado as cebolas para o refogado e não haver no raio de dois quilómetros um sítio aberto para resolver o problema. Há sempre o casal de amigos vizinho, mas para eles ainda é madrugada. Com o correr dos meses aprendo a precaver-me ao sábado, mas não é garantido que as coisas não falhem de vez em quando.
Terminado o almoço, com ou sem refogado, vem a luta de encontrar um metro quadrado de espaço livre para beber o café pré-laboral. A chegada à redacção do jornal corresponde a um alívio tremendo. Parece um contra-senso, mas há poucas sensações que se igualem à de «desligar» da luz esquisita de Lisboa aos domingos, das ruas semi-desertas, das senhoras empinocadas e dos senhores de gravatas demodé que pululam às portas dos cafés, da ideia arrepiante dos fatos-de-treino que andam a passear pelo Colombo e pelo Almada Fórum, onde felizmente nunca fui ao domingo, numa profissão de fé que espero manter por muitos e longos anos.
Se por azar de calendarização acontece ter um domingo de folga, todas estas dores se acumulam até ao fim da jornada, a não ser que não trabalhe também na segunda-feira e possa por isso ficar no local para onde tenha fugido. A sensação de vazio e o ódio pelas vidinhas das gentes não se esvaem por completo, mas amenizam.
De ontem a oito dias estarei de folga, mas trabalharei segunda. A minha mulher trabalha, sortuda! Estou desde sexta-feira passada a tentar encontrar a forma certa de enganar os sentidos. A mais provável, nesta altura, é fechar as janelas da sala e ver uns filmes. Se não olhar muitas vezes para a rua pode ser que consiga pensar que é sábado. Com relatos a sério seria mais fácil, mas tenho esperanças de sucesso.
Outra possibilidade é abastecer-me (no sábado, claro) de cervejas, marisco e caracóis e convidar o casal vizinho para um petisco ao final da tarde, depois da sesta e dos filmes, mais ou menos quando chegar a Rita. Eles normalmente estão bem dispostos e até acham piada à minha cruzada contra os domingos, tema mais que certo da nossa tertúlia...

20 julho 2003

Criado no pior dia da semana

De repente, um amigo dos jornais desafia-me para escrever num blogue sobre futebol. Não representa grande variação no meu dia-a-dia, visto que trabalho num jornal desportivo. Aceito, entusiasmo-me e em menos de 24 horas «publico» quatro posts.
Um pouco menos de repente, vem-me à ideia que a vontade de escrever me tem assaltado com maior frequência. Nas últimas semanas demarquei a escrita de um futuro livro como objectivo da minha vida. Tendo a achar que antes dos 50 anos, mais coisa menos coisa, nenhum homem tem maturidade para o fazer. Pelo menos para fazer bem. As mulheres sim. Se me perguntarem porquê digo que é por causa daquela história de amadurecerem mais depressa. Se insistirem, confesso que não sei bem porquê, mas que acredito ser assim. Pronto. A internet é o espaço de liberdade por excelência, posso muito bem afirmar os meus dogmas sem ter que justificá-los.
Ia, portanto, na vontade de escrever um livro. Pensei, nestas semanas, que a meta dos 50 anos é viável, mas fica seriamente comprometida se não começar já a treinar. Pedi à minha mulher que me comprasse um caderno onde pudesse tomar notas. Ela ainda não o comprou, mas admito que o facto de entretanto termos sabido que está grávida seja mais importante. Para mim também, claro. Por outro lado, este filho-que-ainda-não-é-bem-mas-já-vai-sendo-muito pode ser um óptimo pretexto para desatar então a escrever. Vai ser, pelo menos hoje!
Sem caderno — e ainda por cima com a frustrante limitação de não perceber a minha letra se deixar passar mais de 24 horas sobre o que escrevi — decido-me então pelo computador. Quer dizer, em boa verdade já tinha decidido, mas as chegadas tardias a casa desaconselharam-me, dia após dia, o desafio de sentar-me no escritório. Até que chegou o dia de hoje. É domingo e os domingos são uma mancha na minha vida. Por mim terminavam por decreto, extinguiam-se como os feriados que calham às terças e às quintas, sei lá. Num destes posts talvez explique melhor esta coisa dos domingos. Fica já dito, seja como for, que se trata do pior dia da semana e que portanto este blogue tem tudo para dar errado. Se já não bastasse a qualidade (ou falta dela) do autor, ainda tem este estigma de nascer ao domingo. E chega, para já, de insistir nesta palavra, visto que estamos perante um caso em que o significante é tão feio como o significado.
Se alguém leu até aqui, vou então avançar qualquer coisa sobre o que me proponho fazer: 1) soltar-me para a escrita sem caminhos pré-definidos (acho que o treino tem de começar por aqui, afinal ainda faltam mais de 20 anos até à altura de ousar escrever um livro); 2) tentar construir algo de semelhante a um diário, obviamente sem obrigações diárias, passe a repetição, e com liberdade total para discorrer sobre o que bem me apetecer; 3) provavelmente, não dizer a ninguém que isto existe; 4) tentar cumprir o postulado anterior, sem garantias de sucesso porque vou-me conhecendo mais ou menos; 5) ser selectivo com o número de pessoas a quem vou contar; 6) ler frequentemente o que vou escrevendo; 7) desistir assim que me apetecer ou logo que perceba que mais vale estar quieto; 8) procurar saber como posso colocar algures um e-mail através do qual os eventuais aventureiros da net que passem por aqui sejam capazes de contactar-me para o que bem entenderem